16.03.16

Resenha crítica: The Nature of Urban Design


Conheci o Alexandros Washburn em 2011. Ele era um dos palestrantes em um seminário em São Paulo e lá estava eu, fascinada por sua habilidade de explicar de maneira tão simples meu cotidiano como urbanista no poder público. Ele nos apresentou seus três “chefes” – Frederick Law Olmsted, Jane Jacobs e Robert Moses – e tratou didaticamente das complexidades de nosso trabalho. Naquele dia, ele inspirou muitos profissionais da plateia, inclusive eu.

Tive a sorte de encontrá-lo outra vez quando o levei para visitar a urbanização da favela Paraisópolis. Foi quando vi pela primeira vez o manuscrito do livro The Nature of Urban Design: a New York perspective on resilience e, desde aquele dia, aguardei ansiosamente sua publicação, louca para aprender mais sobre suas descobertas e teorias, das quais ele fala com tanto entusiasmo.

Washburn conseguiu transferir para a linguagem escrita a mesma atmosfera que ele cria em suas palestras – uma quantidade enorme de conhecimento teórico e prático acumulado, recheado de bom senso. Eu diria que este é o melhor tipo de conhecimento que um urbanista deveria procurar adquirir. O livro é simplesmente leitura obrigatória para todo arquiteto e urbanista.

Alexandros Washburn formou-se em arquitetura na Harvard Graduate School of Design. No início dos anos 1990, como um jovem arquiteto infeliz com a sensação de que sua profissão escolhida fosse incapaz de melhorar sua cidade – Washington D.C. – o autor assumiu o cargo de assessor do falecido senador americano Daniel Patrick Moynihan, seu mentor. Em seguida, mudou-se para Nova Iorque e tornou-se presidente da Pennsylvania Station Redevelopment Corporation, responsável por um projeto de requalificação pelo qual o senador era apaixonado e, infelizmente, nunca chegaria a ver concluído.

Foi diretor de projeto na W Architecture and Landscape Architecture LLC entre 2001 e 2006 e ganhou diversos prêmios em desenho urbano, arquitetura, paisagismo, incluindo o renomado Public Architect Award de Nova Iorque. Depois, ocupou o cargo de Chefe de Urbanismo no Departamento de Planejamento Urbano da Prefeitura de Nova Iorque durante sete anos. Os projetos sob sua coordenação variavam em escala de zoneamento, código de obras e edificações até diretrizes de projeto, integrando arquitetura, desenho urbano e governança.

Atualmente no Stevens Institute of Technology, é fundador do Center for Coastal Resilience and Urban Xcellence (CRUX). Envolvido com as propostas de recuperação de Red Hook, no Brooklyn, o autor tem motivação pessoal, pois teve sua própria casa atingida pelo furacão Sandy. Incrementar a resiliência de costas urbanas contra eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, enquanto se melhora simultaneamente a qualidade de vida, tornou-se sua principal dedicação.

The Nature of Urban Design: a New York perspective on resilience foi lançado em outubro de 2013, pela editora Island Press. Como define o autor, o livro foi escrito por “interesse de autopreservação” quando se esforçava para convencer pessoas poderosas a implementarem “o que ele instintivamente sabia que seria a coisa certa”. É aí que sua técnica de sobrevivência entra em ação: o autor exercitava sua capacidade de comunicação e persuasão ao escrever o que ele sabia que seriam as melhores soluções para o interesse coletivo. A defesa pode ser tão importante quanto o conhecimento técnico.

Em suas 240 páginas, ele descreve o quão frustrante o processo de projetos urbanos pode ser e o quão raro é testemunhar transformações reais. Ele convoca os urbanistas a entender este processo e cumprir seu papel ativamente, com esperteza: não há espaço para ingenuidade.

Washburn traça o perfil do urbanista de forma brilhante – os pontos fortes a serem reconhecidos e as fraquezas a serem superadas. Os desafios daqueles que – como eu e ele – dedicaram-se no passado ao ramo da arquitetura e precisam se ajustar aos novos processos e escalas do projeto urbano. Este desafio torna-se ainda maior em países como o Brasil onde não há currículo separado para cada profissão na universidade e a educação ignora e achata suas diferenças.

The Nature of Urban Design divide-se em cinco capítulos que abordam os seguintes temas: porque devíamos nos preocupar com cidades; o processo e os produtos do projeto urbano; o High Line como um estudo de caso; e resiliência (apesar deste assunto final estar presente ao longo do texto, revelando seu foco atual). O projeto urbano é demonstrado como a arte de transformar as cidades: “urbanistas não mudam cidades; eles projetam as ferramentas que mudam cidades”. Uma lição a ser aprendida, pois, frequentemente, urbanistas “bons de projeto” fracassam como negociadores exatamente por detestarem política e finanças, não assumindo uma posição igualitária quando brigam por suas convicções.

A publicação é um tratado de urbanismo, com foco em sua missão: transformar nossas cidades enquanto melhoramos a qualidade da vida pública. O termo ‘cidade’ se adapta a diferentes definições e padrões e se expande para outros conceitos confusos, como metrópole ou megacidade. É nelas que a maior parte da população mundial vive. Tamanho, fronteiras, densidade: como classificar qualidade? Como dados quantitativos e qualitativos podem ser capturados e utilizados para análises dessa natureza? Mapear parâmetros no território é também uma tarefa para urbanistas, tanto para embasar seu trabalho quanto para melhor comunicá-lo e justificá-lo.

Washburn divide o processo projetual de urbanismo em três fases: elaborar o problema, projetar a solução e implementar a solução. Cada fase é detalhada, um processo complexo no qual muitas escolhas difíceis devem ser feitas. Então, os produtos do projeto urbano são descritos: regras, zoneamento, planos e projetos. Diferentes escalas integradas, variadas questões relacionadas ao momento adequado para cada execução, guias para uma transformação de cidade.

O autor também aborda a importância de se “ler a cidade que nos cerca”. Caminhar, desenhar, anotar informações importantes – tudo isso tem um excelente resultado: conscientização. Da mesma forma como o talentoso Antoni Muntadas mostrou em sua exposição Warning! Perception requires involvement. O ciclo do projeto urbano começa com a observação e continua com a análise e a representação. Desenvolver ferramentas que irão “controlar nada, mas influenciar tudo”, levando à tal transformação desejada.

Para exemplificar estes processos e produtos, a estória de sucesso do High Line é contada no próximo capítulo. Coordenar as três fases do projeto urbano e fazer com que todos os produtos em suas diferentes escalas sejam compatíveis é algo difícil de se ver, em qualquer lugar. Política, finanças e projeto devem cumprir seus papeis – como o fazem normalmente – permitindo que a transformação aconteça.

A resiliência urbana vem como tópico do último capítulo. Washburn escreve a respeito de nosso relacionamento com a natureza e como as mudanças climáticas cumprem importante papel no futuro das cidades. Como nossas cidades podem crescer ao mesmo tempo em que consertam seus desequilíbrios e se tornam sustentáveis? Ele apresenta estratégias para objetivos ambientais de longo prazo organizados em um conjunto de “ecométricas” que monitorem ações de mitigação e adaptação. Apesar de ser discutível o grau de influência que os humanos têm no aquecimento global, seus efeitos não podem ser ignorados.

O desempenho dos planos e projetos urbanos de uma cidade afeta suas prioridades. Nova Iorque, por exemplo, tem investido consistentemente em sua rede de transporte sobre trilhos o que lhe permite escolhas que não poderiam ser feitas na maioria das cidades brasileiras. Mobilidade, áreas de risco geotécnico e saneamento – citando apenas algumas – são prioridades a serem enfrentadas por urbanistas que atuam na América Latina.

Profissionais interessados em deixar suas cidades não apenas igual, mas maior e melhor do que as que lhes foram legadas, como exalta o Juramento Ateniense, têm um enorme desafio à sua frente e compreendê-lo por completo é o passo número ‘um’. Por isso, este livro deve ser lido por aqueles em qualquer parte do globo. O projeto urbano pode até não salvar a cidade, mas quiçá seus processos e produtos o façam.

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  Maria Teresa Diniz     urbitandem@urbitandem.com.br