14.02.20

Não há solução para nossa reforma urbana sem responsabilidade compartilhada


O que há algumas décadas parecia profecia catastrófica tem se confirmado: as mudanças climáticas trazem consigo eventos extremos e mais frequentes, que colocam a forma como as cidades brasileiras se desenvolveram em cheque e nossa população em risco. Incrédulos, ainda não nos preparamos para isso.  

O desenvolvimento de uma cidade é atividade multidisciplinar que envolve a atuação de diferentes agentes, públicos e privados, em tempos e escalas diferentes. Nesse processo complexo, a abordagem setorial é comumente adotada, com muitos prejuízos causados pela falta de integração. Mobilidade, saneamento, habitação... seguimos elaborando planos e – quando muito – os executando com essa visão segregada, resultando em deseconomias e impactos negativos. Além disso, é importante lembrar que algumas ferramentas de planejamento urbano – como o plano diretor – definem um caminho de desenvolvimento da cidade, mas não há garantias de que este se concretize em seu prazo de vigência, por muitos motivos. 

De um lado o poder público, que deve zelar pelo interesse público e coletivo, é responsável por planejar, investir os recursos arrecadados em infraestrutura e serviços públicos e estabelecer regras para atuação própria ou privada. De outro está o particular, cujas ações individuais têm efeitos cumulativos na cidade. Projetos de parcelamento ou construções em lotes interferem na permeabilidade, na insolação, nos ventos dominantes, na segurança pública – para citar apenas alguns impactos. A responsabilidade deve ser, portanto, compartilhada se quisermos avançar na requalificação e crescimento de nossas cidades.  

Renaturalização e canalização de córregos, piscinão, vala de infiltração, jardim de chuva, novos parques, vazão de restrição... na definição das melhores soluções técnicas disponíveis é fundamental reconhecer que há uma cidade já construída e que não é possível demolir tudo e começar de novo – não haveria recursos ou até mesmo seria sustentável perseguir este caminho da tabula rasa

Não é só a impermeabilização do solo, tão lembrada durante a temporada de inundações. Ao eliminarmos os meandros dos rios, encurtamos seus percursos e aumentamos a velocidade em que a água chega nas várzeas. Construímos nos espaços de liberdade dos fundos de vale, onde as águas naturalmente ocupam durante o período de cheias. Na tentativa de progredir, obras de esgotamento sanitário e drenagem uniram-se no tempo e no espaço, deixando de lado o urbanismo. 

Muitas dessas obras trouxeram ganhos para a saúde pública, seria desonesto negar. E podem ser ainda a melhor solução disponível se quisermos reduzir a situação atual de injustiça social, com grandes contingentes de população vivendo em situação de extrema vulnerabilidade, sem saneamento básico e em áreas de risco geotécnico. Será necessário encontrar um caminho que alie as técnicas tradicionais às soluções não estruturais, mesmo que ainda insuficientemente testadas em nosso contexto urbano, seja do ponto de vista técnico ou cultural.

Enquanto não partimos para uma ação que congregue todos os aspectos da necessária reforma urbana, continuaremos a contabilizar vítimas e perdas materiais, um custo social alto demais para continuarmos pagando. Que tenhamos disposição, coragem, competência e humildade para avançar, apoiando-nos em muita comunicação.

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  Maria Teresa Diniz     urbitandem@urbitandem.com.br