14.11.16

Sobre pontes


Nessa semana me peguei refletindo sobre como as cidades brasileiras sofrem com a informalidade de seu urbanismo. Sobre a desorganização, a falta de integração setorial, sem ou por querer. A respeito de projetos simples, baratos e interessantes que poderiam contribuir para o bem-estar dos cidadãos. 

E comecei a cruzar alguns temas que estavam em pauta no meu quotidiano. Pensei no comércio de café da manhã que vejo todos os dias na ponte Cidade Universitária, próximo à saída da estação de trem da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). E que também existe junto a outros pontos de embarque de ônibus ou trilho, como no Terminal Bandeira ou na porta da estação de metrô Marechal Deodoro.

Quando me mudei para São Paulo, em 2005, comecei a utilizar com maior frequência o transporte público. Trabalhava no Edifício Martinelli e ir de carro para o centro não era opção barata ou conveniente. Aquele comércio informal dentro do Terminal Bandeira, nas plataformas de embarque, me causava estranhamento. Por que não organizavam melhor a venda de alimentos conforme as necessidades do usuário do transporte? 

Havia lanchonete centralizada no terminal, mas as pessoas ao final do dia correm para as filas, para ir embora o mais rápido possível ou para tentar pegar um lugar sentado no ônibus. Aliás, também estranhei a existência de duas filas para o mesmo ônibus e aprendi que a segunda fila era criada pelas pessoas que queriam viajar sentadas, que percebiam que o próximo ônibus já estaria cheio demais para conseguirem este objetivo e preferiam esperar pelo veículo seguinte. 

E era exatamente nesta hora, já com sua posição na fila garantida, que elas queriam comprar algo para comer ou beber. Se passassem antes na lanchonete, poderiam perder o próximo ônibus ou aquele assento tão desejado enquanto aguardavam na fila ou realizavam a compra. E era esta demanda reprimida que os ambulantes aproveitavam. Fiscalização? Vi pouquíssimas vezes, uma transação quase garantida. 

Mundo afora, ambulantes e camelôs atuam de forma complementar ao comércio e aos serviços formais, buscando sempre identificar essa demanda reprimida de forma ágil e, consequentemente, um ponto de vendas lucrativo. É claro, sua instalação não enfrenta questões relacionadas a burocracias de planejamento urbano, como zoneamento, ou ao alto risco daquele ponto não “vingar”. Essa flexibilidade, inerente de sua natureza informal, atua a favor de seu negócio e deveria inspirar análises de urbanistas, empreendedores e gestores públicos. 

Foi com essa linha de raciocínio que me veio a seguinte ideia: por que não poderiam ser criados pequenos pontos de comércio ali nas pontes, a serem concedidos pelo poder público? Algumas questões podem ser consideradas já testadas: existência de demanda para esta natureza de serviço; e logística de abastecimento factível – afinal, os ambulantes trazem e levam seus apetrechos todos os dias.

Um projeto de qualidade – que na minha opinião deveria ser objeto de concurso público – poderia propor, por exemplo, uma simples plataforma metálica suspensa, aproveitando a vista do rio Pinheiros, criando um espaço adicional uma vez que a circulação dos pedestres nas pontes não é generosa o suficiente para abrigar este uso. A modelagem de viabilidade econômico-financeira poderia exigir que fossem inicialmente cadastrados os ambulantes que já atuam nestes locais, garantindo aos mesmos um espaço para continuar exercendo sua atividade de forma regular e sem impactar os preços já praticados, somados a outros novos colegas que a concessão traria, com atividades complementares, minimizando os tão temidos riscos de gentrificação. 

Fico imaginando as pessoas sobre uma das pontes, apreciando a vista enquanto tomam um sorvete. Ou tomando um café junto à plataforma da estação, esperando algum amigo chegar ou simplesmente usando a internet. Lugares com visadas incríveis do rio Pinheiros e subaproveitados... 

A poluição do rio? Já não convivemos com ela de qualquer forma? Não acredito que isso deveria ser motivo para deixarmos de usufruir da vista, independentemente de sua estética. Além do mais, estar em contato com o problema nos faz mais conscientes em relação ao mesmo a e, portanto, lutar por sua solução.

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  Maria Teresa Diniz     urbitandem@urbitandem.com.br